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Quanto o universo me paga para não estar no Facebook

Texto de A FORJA UNIVERSAL – Escrito por Paulo Brabo, em 28 de abril de 2013

Duas curtas advertências: [1] sou tão superficial quanto qualquer um; [2] claro que um dia vou capitular: claro que um dia vou fazer parte da rede social mais popular do planeta.

Isso não muda o fato de que o universo me paga, dia após dia, para não ceder ao Facebook. Falo, é claro, do universo offline do café com bolo de fubá, da travessia de ferryboat, da casa alugada na praia, do bolinho de carne seca comido no bar, de esperar que o amigo saia finalmente da sala de desembarque, da cortesia na fila do correio, das pessoas que imprimem livros e das que os compram, das ruas de Morretes, dos últimos pastores de ovelhas da Itália, da velha senhora que é tia de alguém e que mora sozinha entre morros arredondados no interior de Minas Gerais e faz a própria farinha de milho num monjolo movido a córrego.

Incrivelmente, esse universo me veste, me alimenta, faz água cair do céu e faz o vento varrer meus cabelos no alto da montanha como num comercial de shampoo. Ele me manda livros, cartões postais, chocolate e batata frita, e me massageia lascivamente as costas na cachoeira. Como um apaixonado que não se sabe moderar, o universo me manda gente que me oferece café, que me faz comida, que me chama de irmão, que me toca a mão, que me ouve chorar, que se maravilha com as mesmas coisas, que dorme comigo, que colhe comigo cogumelos, que me presenteia com CDs, que me serve chá de capim-cidreira, que me traz garrafas de bom vinho, que me dá flores.

Dia após dia, em todos os seus dialetos, o universo me repete uma mesma frase: pegue o que você precisar.

“Brabo,” o universo me diz, “pegue o que você precisar”.

Ele pede uma única coisa em troca, e o que ele pede é tremendamente exigente: que eu continue a desejar aquilo que considero desejável.

É claro que o mundo de abraços e de café e de pura conexão entre as pessoas que desejo não existe fora da minha cabeça, mas repito: o universo não cessa de me pagar para continuar sonhando com ele. E é com essa propina que ele vai me impedindo de desejar o Facebook.

O Facebook sabe que é com frequência difícil para mim estar onde estou, e ele quer me confortar com a impressão de que estou em outro lugar. O Facebook sabe que às vezes é difícil para mim estar com quem estou, e ele quer me confortar com a lembrança de que tenho conexões muito reais em outro lugar. O Facebook sabe que muitas vezes não tenho paciência ou coragem de mover-me de onde estou para onde gostaria de estar, e ele quer me confortar com a sensação de ter transposto a distância.

Meu desafio pessoal mas antigo foi sempre experimentar a realidade sem subterfúgios: estar onde estou. A solução, quando há, sempre foi mover-me para onde não estou.

O Facebook me convida incessantemente a fazer o contrário: a não estar onde estou e a não mover-me para onde não estou – e seria talvez mais fácil ceder ao convite se ele não forçasse a barra chamando essa doce imobilidade de conexão. Naturalmente, é precisamente essa modalidade de conexão aquela que quero, e talvez seja a única que experimento. Como tudo mundo, quero observar a beleza do universo sem comprometer-me com seus desafios; quero admirar gente de longe sem ter de pagar os riscos de uma rede viva e complexa de relações. Minha vida seria mais fácil se os cofres do coração não transbordassem daquilo que o universo me dá cotidianamente para continuar a não considerar essa condição (veja aqui o comercial) como desejável.

Texto de A FORJA UNIVERSAL – Escrito por Paulo Brabo, em 28 de abril de 2013

Em busca de um perdão

Texto escrito pelo Dr. Camargo, EM BUSCA DE UM PERDÃO, no Caderno Vida, da Zero Hora de sábado – 27 de abril:

É mpossível não ser atingido pelos estilhaços de alguns pacientes que partem, às vezes desastradamente, deixando fragmentos de história que não conseguem recontar a vida deles. Ainda mais quando o médico não foi mais do que uma testemunha acidental do desfecho não programado de um desconhecido que, por indecifráveis razões do destino, foi dado morrer em sua companhia.

As emergências dos grandes hospitais, que recebem pessoas de todos os tipos e em todas as condições, algumas vezes nos impõem essas inusitadas parcerias. E com direito a confidências pungentes e promessas desesperadas, o que denuncia a grande tragédia de se morrer sozinho, sem ter para lhe segurar a mão alguém que tenha um motivo, por tênue que seja, para lamentar a sua morte.

Solitários num momento definitivo, riscados do mundo. E assim eles se vão, como uma borracha que se apaga a si mesma.

O boné sujo, de uma malha leve, devia ser um companheiro antigo e das quatro estações, e não conseguia conter a cabeleira desgrenhada que escapava por todos os lados. Quando entrou na emergência da antiga Santa Casa dos indigentes, banhado de suor, foi reconhecido pela atendente como o viciado que vinha todas as noites, queixando-se de uma dor que ninguém acreditava, e implorando por morfina.

Não tinha documentos, a cada visita anunciava um nome diferente, e naquela noite tinha decidido ser o Mario.

Inexperiente e angustiado por não saber o que fazer, lhe perguntei: “Mario, me diga, onde é a dor”, e ele, pouco familiarizado com o nome novo, respondeu: “Quem, eu?”

Assim ficava difícil, mas não desisti, e logo passei a acreditar, quando percebi que o pulso estava muito acelerado e que ele se contorcia na maca e suava cada vez mais. Aquela dor parecia verdadeira, e ficou claro que só conseguiríamos conversar se ela fosse levada a sério.

Uma ampola de morfina mais tarde, fizemos uma radiografia que mostrou um grande tumor que ocupava a maior parte do pulmão esquerdo e lhe invadia as costelas. Não era necessário ser especialista para perceber que ele estava morrendo.

Depois de retiramos uma amostra de sangue para medir a oxigenação, fiquei comprimindo o local da punção e ele, aliviado do sofrimento atroz, choramingou: “Tenho muito medo de morrer!”

Quando lhe ofereci a mão livre, ele a segurou com as suas e fez um pedido que nunca consegui cumprir e que ficou por muito tempo grudado na lembrança como um adesivo inconveniente: “Diga ao meu pai, quando ele vier me buscar, que eu gosto dele e que me arrependi muito do que lhe disse na última vez que brigamos.”

Querendo consolá-lo, garanti que os pais sempre perdoam os filhos, e que era certo que ele até já devia ter esquecido. E ele discordou: “Acho que não, porque já faz 20 anos que ele me disse: hoje morremos um para o outro!”

Passado muito tempo, ainda lembro do desconsolo no seu olhar de moribundo. Ele morreu tentando apenas ser perdoado e ninguém veio resgatá-lo.

É sabido que o ódio entre os que se deveriam amar é sempre mais intenso e duradouro. Mas, mesmo assim, devia ter prazo de validade.

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J.J. Camargo é cirurgião torácico e chefe do Setor de Transplantes da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.

Solidão

Texto extraído do BLOG Café Brasil de Luciano Pires: http://www.podcastcafebrasil.com.br/podcasts/346-a-solidao-do-chorao

Quem eu vi falar mais legal desse tema, solidão, foi um psicanalista inglês já morto: Donald Winnicott. Ele descreveu o crescimento emocional como o desenvolvimento paulatino da nossa capacidade de estar só.

Quanto mais amadurecemos emocionalmente, menos dependemos dos outros para nos sentirmos queridos e seguros, e mais apreciamos a saudável convivência com nós mesmos.

Para que isso seja possível, contudo, precisamos de alguém muito especial na fase da vida em que estamos mais dependentes e vulneráveis, alguém que nos permita estar no nosso próprio mundo em sua presença. Durante a tenra infância, algum adulto querido deve estar suficientemente presente para nos dar segurança e suficientemente ausente para não ser invasivo, que é o que nos permite cultivar o senso de individualidade, independência e confiança em si mesmo e no mundo.

O protótipo disso é a mãe ou o pai que apenas está junto, sem interferir nem se ausentar, enquanto o filho ou a filha brincam despreocupadamente. A criança sabe que o adulto protetor está lá, e só isso é muito bom. Para não nos sentirmos solitários ao longo da vida crescida, é necessário que interiorizemos este adulto protetor e não invasivo – precisamos aprender a carregar dentro de nós este senso de presença confiável porém discreta.

Texto extraído do BLOG Café Brasil de Luciano Pires: http://www.podcastcafebrasil.com.br/podcasts/346-a-solidao-do-chorao

Como elogiar alguém

Texto extraído do livro: Ostra feliz não faz pérola / Rubem Alves – São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2008 – Página 26.

Conselho ao Nelson Freire

Caro Nelson Freire: Ao terminar de ouvir os dois concertos de Brahms interpretados por você, lembrei-me de um incidente que poderá lhe ser de grande valia. Bernard Shaw foi ouvir Jascha Heifetz. Chegando em casa, depois do concerto, escreveu-lhe uma carta imediatamente. O conteúdo era mais ou menos assim: “Prezado senhor Jascha Heifetz. Ouvi-o no concerto desta noite. Voltei para casa profundamente preocupado. Porque tocando do jeito como o senhor toca é impossível que os deuses não se roam de ciúme – porque é certo que eles não conseguem tocar como o senhor. Eles sentirão inveja. E deuses invejosos são perigosos. Assim, dou-lhe um conselho. De noite, antes de dormir, não faça suas orações costumeiras. Pegue o seu violino e toque desafinado. Os deuses, ao ouvi-lo, se sentirão aliviados na sua inveja e deixarão o senhor em paz. Atenciosamente, George Bernard Shaw”. Nelson, faço meu o conselho de Shaw. Sozinho, de noite, em vez de rezar, toque mal, esbarre algumas notas, erre… Nenhum crítico o estará ouvindo. Mas os deuses estarão. E eles dormirão em paz e você dormirá em paz. Conselho do seu conterrâneo Rubem Alves.

Texto extraído do livro: Ostra feliz não faz pérola / Rubem Alves – São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2008 – Página 26.