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Ostra feliz não faz pérola

Texto extraído do livro: Ostra feliz não faz pérola / Rubem Alves – São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2008 – Página 11.

“Ostras sao moluscos, animais sem esqueleto, macias, que representam as delícias dos gastrônomos. Podem ser comidas cruas, com pingos de limão, com arroz, paellas, sopas. Sem defesas – sao animais mansos seriam uma presa fácil dos predadores. Para que isso não acontecesse, a sua sabedoria as ensinou a fazer casas, conchas duras, dentro das quais vivem.

Pois havia num fundo de mar uma colônia de ostras, muitas ostras. Eram ostras felizes. Sabia-se que eram ostras felizes porque de dentro de suas conchas saía uma delicada melodia, música aquática, como se fosse um canto gregoriano, todas cantando a mesma música. Com uma exceção de uma ostra solitária que fazia um solo solitário. Diferente da alegre música aquática, ela cantava um canto muito triste. As ostras felizes se riam dela e diziam Ela não sai da sua depressão… . Não era depressão. Era dor. Pois um grão de areia havia entrado dentro da sua carne e doía, doía, doía. E ela não tinha jeito de se livrar dele, do grão de areia. Mas era possível livrar-se da dor. O seu corpo sabia que, para se livrar da dor que o grão de areia lhe provocava, em virtude de suas aspereza, arestas e pontas, bastava envolve-lo com uma substância lisa, brilhante e redonda. Assim, enquanto cantava seu canto triste, o seu corpo fazia o trabalho – por causa da dor que o grão de areia lhe causava. Um dia, passou por ali um pescador com o seu barco. Lançou a rede e toda a colônia de ostras, inclusive a sofredora, foi pescada. O pescador se alegrou, levou-as para casa e sua mulher fez uma deliciosa sopa de ostras. Deliciando-se com as ostras, de repente seus dentes bateram num objeto duro que estava dentro de uma ostra. Ele o tomou nos dedos e sorriu de felicidade era uma pérola, uma linda pérola. Apenas a ostra sofredora fizera uma pérola. Ele a tomou e deu-a de presente para a sua esposa.

Isso é verdade para as ostras. E é verdade para os seres humanos. No seu ensaio sobre o nascimento da tragédia grega apartir do espirito da música, Nietzsche observou que os gregos, por oposicao aos cristãos, levavam a tragédia a serio, Tragédia era tragédia. Não existia céu para eles, como existia para os cristãos, um céu onde a tragédia seria transformada em comedia. Ele se perguntou entao das razoes por que os gregos, sen- do dominados por esse sentimento trágico da vida, não sucumbiram ao pessimismo. A resposta que encontrou foi a mesma da ostra que faz uma pérola: eles não se entregaram ao pessimismo porque foram capazes de transformar a tragédia em beleza. A beleza nao elimina a tragedia, mas a toma suportável. A felicidade e um dom que deve ser simplesmente gozado. Ela se basta. Mas ela nao cria. Nao produz pérolas. Sao os que sofrem que produzem a beleza, para parar de softer. Esses sao os artistas. Beethoven – como é possivel que um homem completamente surdo, no fim da vida, tenha produzido uma obra que canta a alegria. Van Gogh, Cecilia Meireles, Fernando Pessoa…”

Texto extraído do livro: Ostra feliz não faz pérola / Rubem Alves – São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2008 – Página 11.