Author Archives: raroway

Consultório bíblico

Texto extraído do livro: Ostra feliz não faz pérola / Rubem Alves – São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2008 – Página 214.

Laura Schlessinger é uma conhecida locutora de rádio nos Estados Unidos. Ela tem um desses programas interativos que dá respostas e conselhos aos ouvintes que a chamam ao telefone. Recentemente, perguntada sobre a homossexualidade, a locutora disse que se trata de uma abominacão, pois assim a Bíblia o afirma no livro de Levítico 18:22. Um ouvinte escreveu-lhe então uma carta que vou transcrever: “Querida Dra. Laura: Muito obrigado por se esforçar tanto para educar as pessoas segundo a Lei de Deus. Eu mesmo tenho aprendido muito do seu programa de rádio e desejo compartilhar meus conhecimentos com o maior número de pessoas possível. Por exemplo, quando alguém se põe a defender o estilo homossexual de vida, eu me limito a lembrar-lhe que o livro de Levítico, no capítulo 18, versículo 22, estabelece claramente que a homossexualidade é uma abominaçâo. E ponto final… Mas, de qualquer forma, necessito de alguns conselhos adicionais de sua parte a respeito de outras leis bíblicas concretamente e sobre a forma de cumpri-las:

Gostaria de vender minha filha como serva, tal como o indica o livro de Êxodo, 21:7. Nos tempos em que vivemos, na sua opinião, qual seria o preço adequado?
O livro de Levítico 25:44 estabelece que posso possuir escravos, tanto homens quanto mulheres, desde que sejam adquiridos de países vizinhos. Um amigo meu afirma que isso só se aplica aos mexicanos, mas não aos canadenses. Será que a senhora poderia esclarecer esse ponto? Por que não posso possuir canadenses?
Sei que não estou autorizado a ter qualquer contato com mulher alguma no seu período de impureza menstrual (Lev. 18:19, 20:18, etc.). O problema que se me coloca é o seguinte: como posso saber se as mulheres estão menstruadas ou não? Tenho tentado perguntar-lhes, mas muitas mulheres são tímidas e outras se sentem ofendidas.
Tenho um vizinho que insiste em trabalhar no sábado. O livro de Êxodo 35:2 claramente estabelece que quem trabalha nos sábados deve receber a pena de morte. Isso quer dizer que eu, pessoalmente, sou obrigado a matá-lo? Será que a senhora poderia, de alguma maneira, aliviar-me dessa obrigação aborrecida?
No livro de Levítico 21:18-21 está estabelecido que uma pessoa não pode se aproximar do altar de Deus se tiver algum defeito na vista. Preciso confessar que eu preciso de óculos para ver. Minha acuidade visuai tem de ser l00% para que eu me aproxime do altar de Deus? Será que se pode abrandar um pouco essa exigência?
A maioria dos meus amigos homens tem o cabelo bem cortado, muito embora isto esteja claramente proibido em Levítico 19:27. Como é que eles devem morrer?
Eu sei, graças a Levítico 11:6-8, que quem tocar a pele de um porco morto fica impuro. Acontece que adoro jogar futebol americano, cujas bolas são feitas de pele de porco. Será que me será permitido continuar a jogar futebol americano se usar luvas?
Meu tio tem uma granja. Deixa de cumprir o que diz Levítico 19:19, pois planta dois tipos diferentes de sementes no mesmo campo, e também deixa de cumprir a sua mulher, que usa roupas de dois tecidos diferentes, a saber, algodão e poliéster. Além disso, ele passa o dia proferindo blasfêmias e maldizendo. Será que é necessário levar a cabo o complicado procedimento de reunir todas as pessoas da vila para apedrejá-los? Não poderíamos adotar um procedimento mais simples, qual seja, o de queimá-los numa reunião privada, como se faz com um homem que dorme com a sua sogra, ou uma mulher que dorme com o seu sogro (Levítico 20:14).
Sei que a senhora estudou esses assuntos com grande profundidade de forma que confio plenamente na sua ajuda. Obrigado de novo por recordar-nos que a Palavra de Deus é eterna e imutável.

Texto extraído do livro: Ostra feliz não faz pérola / Rubem Alves – São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2008 – Página 214.

Deus nos deu asas

Texto extraído do livro: Ostra feliz não faz pérola / Rubem Alves – São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2008 – Página 219.

Deus nos deu asas
As religiões inventaram as gaiolas. Nossas asas são a imaginação. Pela imaginação voamos longe, muito longe, pela terra do nunca mais, pela terra do impossível, pela terra do impensado. Não entenderam? Leiam Cem
anos de solidão. Vocês entenderão. Eu até que entendo a razão por que se fazem gaiolas e cercas. Vejam o caso das galinhas. Se não vivessem em cercados, como colher os seus ovos? Se os pássaros não estivessem nas gaiolas, como possuir o seu canto? Cercas e gaiolas são construídas para se possuir aquilo que, de outra forma voaria livre, para longe… Faz tempo, escrevi uma estória para a minha filha, A menina e o pássaro encantado. É sobre uma menina que tinha como seu melhor amigo um pássaro. Mas o pássaro voava livre. Vinha quando tinha saudades da menina. E depois ia embora e deixava a menina a chorar. Aí a menina comprou uma gaiola…
Essa estória eu a escrevi porque iria ficar muito tempo longe, nos Estados Unidos, e ela, minha filha de quatro anos, não queria que eu fosse. Fui e voltei. Depois de publicada, fui informado de que ela estava sendo usada por terapeutas como material para tratamento de homens que queriam engaiolar as mulheres e mulheres que queriam engaiolar os homens. Aí um amigo me disse. “Que linda estória você escreveu sobre Deus…” Fiquei sem entender. Ele perguntou então: “Mas o Pássaro Encantado não é Deus, que as religiões tentam prender numa gaiola?. Cada religião anuncia que o Pássaro Sagrado está na sua gaiola, só na sua gaiola. Os outros pássaros, nas gaiolas das outras religiões, não são o verdadeiro Pássaro Encantado…”

Canto ou ovos?
Há pessoas que amam o Pássaro Encantado por causa do seu canto. Outros, por causa dos seus ovos. Com ovos se fazem deliciosas omeletes. Jesus disse a mesma coisa de outra forma. Há os que amam a Deus por causa dos seus poemas. Deus é poeta. No princípio era o Verbo. Outros amam a Deus por causa dos pães. Deus é um bom padeiro.

Texto extraído do livro: Ostra feliz não faz pérola / Rubem Alves – São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2008 – Página 219.

Meu filho, você não merece nada

Escrito por Eliane Brum encontrado em http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI247981-15230,00.html

Ao conviver com os bem mais jovens, com aqueles que se tornaram adultos há pouco e com aqueles que estão tateando para virar gente grande, percebo que estamos diante da geração mais preparada – e, ao mesmo tempo, da mais despreparada. Preparada do ponto de vista das habilidades, despreparada porque não sabe lidar com frustrações. Preparada porque é capaz de usar as ferramentas da tecnologia, despreparada porque despreza o esforço. Preparada porque conhece o mundo em viagens protegidas, despreparada porque desconhece a fragilidade da matéria da vida. E por tudo isso sofre, sofre muito, porque foi ensinada a acreditar que nasceu com o patrimônio da felicidade. E não foi ensinada a criar a partir da dor.

Há uma geração de classe média que estudou em bons colégios, é fluente em outras línguas, viajou para o exterior e teve acesso à cultura e à tecnologia. Uma geração que teve muito mais do que seus pais. Ao mesmo tempo, cresceu com a ilusão de que a vida é fácil. Ou que já nascem prontos – bastaria apenas que o mundo reconhecesse a sua genialidade.

Tenho me deparado com jovens que esperam ter no mercado de trabalho uma continuação de suas casas – onde o chefe seria um pai ou uma mãe complacente, que tudo concede. Foram ensinados a pensar que merecem, seja lá o que for que queiram. E quando isso não acontece – porque obviamente não acontece – sentem-se traídos, revoltam-se com a “injustiça” e boa parte se emburra e desiste.

Como esses estreantes na vida adulta foram crianças e adolescentes que ganharam tudo, sem ter de lutar por quase nada de relevante, desconhecem que a vida é construção – e para conquistar um espaço no mundo é preciso ralar muito. Com ética e honestidade – e não a cotoveladas ou aos gritos. Como seus pais não conseguiram dizer, é o mundo que anuncia a eles uma nova não lá muito animadora: viver é para os insistentes.

Por que boa parte dessa nova geração é assim? Penso que este é um questionamento importante para quem está educando uma criança ou um adolescente hoje. Nossa época tem sido marcada pela ilusão de que a felicidade é uma espécie de direito. E tenho testemunhado a angústia de muitos pais para garantir que os filhos sejam “felizes”. Pais que fazem malabarismos para dar tudo aos filhos e protegê-los de todos os perrengues – sem esperar nenhuma responsabilização nem reciprocidade.

É como se os filhos nascessem e imediatamente os pais já se tornassem devedores. Para estes, frustrar os filhos é sinônimo de fracasso pessoal. Mas é possível uma vida sem frustrações? Não é importante que os filhos compreendam como parte do processo educativo duas premissas básicas do viver, a frustração e o esforço? Ou a falta e a busca, duas faces de um mesmo movimento? Existe alguém que viva sem se confrontar dia após dia com os limites tanto de sua condição humana como de suas capacidades individuais?

Nossa classe média parece desprezar o esforço. Prefere a genialidade. O valor está no dom, naquilo que já nasce pronto. Dizer que “fulano é esforçado” é quase uma ofensa. Ter de dar duro para conquistar algo parece já vir assinalado com o carimbo de perdedor. Bacana é o cara que não estudou, passou a noite na balada e foi aprovado no vestibular de Medicina. Este atesta a excelência dos genes de seus pais. Esforçar-se é, no máximo, coisa para os filhos da classe C, que ainda precisam assegurar seu lugar no país.

Da mesma forma que supostamente seria possível construir um lugar sem esforço, existe a crença não menos fantasiosa de que é possível viver sem sofrer. De que as dores inerentes a toda vida são uma anomalia e, como percebo em muitos jovens, uma espécie de traição ao futuro que deveria estar garantido. Pais e filhos têm pagado caro pela crença de que a felicidade é um direito. E a frustração um fracasso. Talvez aí esteja uma pista para compreender a geração do “eu mereço”.

Basta andar por esse mundo para testemunhar o rosto de espanto e de mágoa de jovens ao descobrir que a vida não é como os pais tinham lhes prometido. Expressão que logo muda para o emburramento. E o pior é que sofrem terrivelmente. Porque possuem muitas habilidades e ferramentas, mas não têm o menor preparo para lidar com a dor e as decepções. Nem imaginam que viver é também ter de aceitar limitações – e que ninguém, por mais brilhante que seja, consegue tudo o que quer.

A questão, como poderia formular o filósofo Garrincha, é: “Estes pais e estes filhos combinaram com a vida que seria fácil”? É no passar dos dias que a conta não fecha e o projeto construído sobre fumaça desaparece deixando nenhum chão. Ninguém descobre que viver é complicado quando cresce ou deveria crescer – este momento é apenas quando a condição humana, frágil e falha, começa a se explicitar no confronto com os muros da realidade. Desde sempre sofremos. E mais vamos sofrer se não temos espaço nem mesmo para falar da tristeza e da confusão.

Me parece que é isso que tem acontecido em muitas famílias por aí: se a felicidade é um imperativo, o item principal do pacote completo que os pais supostamente teriam de garantir aos filhos para serem considerados bem sucedidos, como falar de dor, de medo e da sensação de se sentir desencaixado? Não há espaço para nada que seja da vida, que pertença aos espasmos de crescer duvidando de seu lugar no mundo, porque isso seria um reconhecimento da falência do projeto familiar construído sobre a ilusão da felicidade e da completude.

Quando o que não pode ser dito vira sintoma – já que ninguém está disposto a escutar, porque escutar significaria rever escolhas e reconhecer equívocos – o mais fácil é calar. E não por acaso se cala com medicamentos e cada vez mais cedo o desconforto de crianças que não se comportam segundo o manual. Assim, a família pode tocar o cotidiano sem que ninguém precise olhar de verdade para ninguém dentro de casa.

Se os filhos têm o direito de ser felizes simplesmente porque existem – e aos pais caberia garantir esse direito – que tipo de relação pais e filhos podem ter? Como seria possível estabelecer um vínculo genuíno se o sofrimento, o medo e as dúvidas estão previamente fora dele? Se a relação está construída sobre uma ilusão, só é possível fingir.

Aos filhos cabe fingir felicidade – e, como não conseguem, passam a exigir cada vez mais de tudo, especialmente coisas materiais, já que estas são as mais fáceis de alcançar – e aos pais cabe fingir ter a possibilidade de garantir a felicidade, o que sabem intimamente que é uma mentira porque a sentem na própria pele dia após dia. É pelos objetos de consumo que a novela familiar tem se desenrolado, onde os pais fazem de conta que dão o que ninguém pode dar, e os filhos simulam receber o que só eles podem buscar. E por isso logo é preciso criar uma nova demanda para manter o jogo funcionando.

O resultado disso é pais e filhos angustiados, que vão conviver uma vida inteira, mas se desconhecem. E, portanto, estão perdendo uma grande chance. Todos sofrem muito nesse teatro de desencontros anunciados. E mais sofrem porque precisam fingir que existe uma vida em que se pode tudo. E acreditar que se pode tudo é o atalho mais rápido para alcançar não a frustração que move, mas aquela que paralisa.

Quando converso com esses jovens no parapeito da vida adulta, com suas imensas possibilidades e riscos tão grandiosos quanto, percebo que precisam muito de realidade. Com tudo o que a realidade é. Sim, assumir a narrativa da própria vida é para quem tem coragem. Não é complicado porque você vai ter competidores com habilidades iguais ou superiores a sua, mas porque se tornar aquilo que se é, buscar a própria voz, é escolher um percurso pontilhado de desvios e sem nenhuma certeza de chegada. É viver com dúvidas e ter de responder pelas próprias escolhas. Mas é nesse movimento que a gente vira gente grande.

Seria muito bacana que os pais de hoje entendessem que tão importante quanto uma boa escola ou um curso de línguas ou um Ipad é dizer de vez em quando: “Te vira, meu filho. Você sempre poderá contar comigo, mas essa briga é tua”. Assim como sentar para jantar e falar da vida como ela é: “Olha, meu dia foi difícil” ou “Estou com dúvidas, estou com medo, estou confuso” ou “Não sei o que fazer, mas estou tentando descobrir”. Porque fingir que está tudo bem e que tudo pode significa dizer ao seu filho que você não confia nele nem o respeita, já que o trata como um imbecil, incapaz de compreender a matéria da existência. É tão ruim quanto ligar a TV em volume alto o suficiente para que nada que ameace o frágil equilíbrio doméstico possa ser dito.

Agora, se os pais mentiram que a felicidade é um direito e seu filho merece tudo simplesmente por existir, paciência. De nada vai adiantar choramingar ou emburrar ao descobrir que vai ter de conquistar seu espaço no mundo sem nenhuma garantia. O melhor a fazer é ter a coragem de escolher. Seja a escolha de lutar pelo seu desejo – ou para descobri-lo –, seja a de abrir mão dele. E não culpar ninguém porque eventualmente não deu certo, porque com certeza vai dar errado muitas vezes. Ou transferir para o outro a responsabilidade pela sua desistência.

Crescer é compreender que o fato de a vida ser falta não a torna menor. Sim, a vida é insuficiente. Mas é o que temos. E é melhor não perder tempo se sentindo injustiçado porque um dia ela acaba.

Escrito por Eliane Brum encontrado em http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI247981-15230,00.html

Religião, um Círculo tedioso de Debate

Texto de Walter A. Bach, encontrado em http://ubdeistas.blogspot.com.br/2013/05/religiao-circulo-tedioso-de-debate.html

Roda de conversa, você e mais alguns amigos ou familiares. O café está ótimo, todos estão rindo, seja de algum incidente do cotidiano ou de alguma piada ouvida no corredor do trabalho. A conversa vai por vários tópicos, até que alguém, nada discretamente, começa a falar de religião. Porque isso e aquilo, sabemos disso, está provado em tal lugar, foi escrito anos atrás, o ser humano mais aquilo e nada… para quem já se sentiu farto desse tipo de situação, essa é a hora em que o café desce pela garganta com um gosto mais amargo que o normal.

“É importante incentivar a pessoa a participar da vida na igreja”, “ele está sempre estudando o tema”, “ele que era tão devoto de tal crença e agora está nessa outra igreja”, com o devido respeito, irei parar de reproduzir pérolas (manchadas) aqui. Todos já ouvimos pelo menos uma, e, redundantemente, iremos ouvir mais.

E nada que seja absolutamente novo. Não apenas pela repetição de pseudo máximas que dependendo de quem as fala e do tom de voz soam terrivelmente maniqueístas, mas porque nessas horas, salvo raríssimas exceções, conversar sobre religião se torna algo tedioso.

Ainda que o passado brasileiro tenha sido quase monopolizado pelo catolicismo, a suposta pluralidade religiosa significa que temos diferentes formas de nos aborrecer com o tema. O singelo fato de um sem número de batizados desta religião a terem abandonado (não entremos em tais detalhes) já é uma amostra de quantos órfãos ela consegue deixar. A despeito disso, a ‘religião oficial’ do país ainda possui numerosos fiéis, capazes de buscar o santo adequado a sua situação como quem procura peças em uma loja de mecânica.

Tedioso também porque a crescente massa de evangélicos está criando estereótipos cada vez piores. Frequentadores de instituições com regras arbitrárias (já ouvimos aquelas de ‘não pode assistir televisão’ ou instruções de vestimenta) ; pessoas que buscam igrejas adeptas da dita teoria da prosperidade, predominantemente material; ramificações infindáveis em meio a um povo que apesar de ter o mesmo ‘título’ – evangélico – parece não haver acordo em quem tem mais razão que o outro em seguir a bíblia; espetacularização do aspecto religioso, com transmissões televisivas dignas de uma produção cinematográfica comercial; poderíamos citar muitas outras razões pelas quais os evangélicos muitas vezes , sem perceber, vulgarizam a si mesmos com tamanha expressividade.

Chato de discutir porque independente do indivíduo seguir uma doutrina católica, evangélica ou qualquer outra, o efeito mais conhecido é de que ele fique com uma viseira acima dos olhos, impedindo-o de aceitar outras religiões. Não precisamos nos esforçar para topar com quem manifeste preocupação em saber se uma terceira pessoa vai para o céu ou inferno por ser supostamente boa ou má, sendo que isso nem sequer é da nossa conta.

Há ocasiões em que acaba sendo cansativo até quando topamos com quem se diz ateu. Não pela descrença, nem pelos seus motivos. Mas os ataques de alguns contra as crenças vigentes enjoam. São quase sempre os mesmo argumentos- a religião engana, age como quem ignora o conhecimento, Deus não está preocupado com esse mundo e deixa a humanidade se quebrar sozinha, condiciona os indivíduos a pensarem sempre de um jeito, muito do que se ensina nas igrejas pode ser ou já foi feito melhor pela ciência, para citar alguns. Ninguém precisa se declarar ateu para perceber a aplicação de um ou mais desses itens – já deixou de ser surpresa encontrar uma pessoa batizada em uma religião e não praticá-la. Mas há ateus que preferem a pura verborragia anti-cristã do que se dedicarem ao estudo de algum assunto que lhes interesse, e quando se tem o desprazer de topar com alguém assim, é difícil medir o aborrecimento causado por eles ou por fanáticos.

Há ainda a malfadada situação: questionado se segue uma religião, você responde que nenhuma, e é taxado de ateu, como se qualquer um que não queira pertencer a uma organização religiosa tradicional o fosse. Quando o indivíduo prefere seguir uma filosofia, ou tem uma crença que não se encaixa nesse ‘padrões’, manifestando-a abertamente ou não, e é taxado de herege, ateu e rótulos semelhantes, é fácil ter a impressão de que a tolerância religiosa deste país é uma mentira.

O leitor ou leitora talvez me considere radical por tal afirmação. Talvez seja. Mas é no mínimo curiosa essa resistência de muitos adeptos de religiões tradicionais em aceitar particularidades fora de sua esfera, como se todo mundo tivesse obrigação não apenas de seguir alguma doutrina, mas principalmente de expressá-la e (pior) convencer outrem a acreditar nela.

É possível acumular conhecimento sobre diversas religiões, mas não é garantia de unir praticantes delas a entrarem em consenso. Mas mantém-se o círculo tedioso de debate sobre religião, cujas ‘conclusões’ ficam restritas a grupos de amigos, familiares e colegas, divididos por suas fés. O assunto é gasto rapidamente, os argumentos de sempre empilhados como tijolos na área de construção. Porém, não somente a pilha é disforme, como dificilmente se percebe que o solo onde ela está é menos sólido do que aparenta.

Texto de Walter A. Bach, encontrado em http://ubdeistas.blogspot.com.br/2013/05/religiao-circulo-tedioso-de-debate.html

Evangelho de judas

Texto extraído do livro: Ostra feliz não faz pérola / Rubem Alves – São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2008 – Página 193.

Chegou-me a última edição da revista Geographic Magazine, toda ela dedicada ao Evangelho de Judas, que está produzindo uma grande confusão nos círculos religiosos. E isso porque esses manuscritos trazem uma versão diferente do que aconteceu: Judas não foi traidor. Não entendo essa confusão, porque qualquer pessoa minimamente informada em teologia sabe que Judas não foi um traidor. Trair é romper um pacto. Mas Judas não rompeu pacto algum. Pelo contrário: fez cumprir o pacto que lhe havia sido destinado por Deus Pai desde toda eternidade. Porque Deus, na sua onisciência, estabeleceu um plano de salvação para os homens que, de outra forma, iriam para o Inferno. Deus poderia perdoar os seus pecados. Mas Deus não perdoa. Aquilo a que se dá o nome de perdão é, na realidade, o pagamento de uma dívida pendente. Deus não perdoa dívidas. As dívidas têm de ser quitadas. Quitadas com quê? Dizem as Escrituras que sem sangue não há remissão de pecados. Deus só aceita pagamento em sangue. Que sangue seria suficiente para pagar os pecados do mundo? Somente um sangue de valor infinito. Mas, sangue de valor infinito, só o sangue divino. Para isso veio Jesus – segundo a teologia -, para derramar o seu sangue de valor infinito que Deus aceitaria como pagamento. Deus planeja a morte do seu próprio filho para nos salvar do Inferno. Por que Deus criou o Inferno, isso eu não sei. Sei que não foi o Diabo, porque Deus, sendo onipotente, não permitiria que o Diabo tivesse tais poderes. Então, todo o plano elaborado por Deus Pai desde toda a eternidade dependia de que Jesus fosse crucificado. Imaginem que ele não fosse crucificado. Que ele se mudasse para a Grécia e terminasse os seus dias com 88 anos de idade, como professor de filosofia. A filosofia ganharia, mas a humanidade iria para o Inferno. Foi assim que Deus, desde toda eternidade, determinou que um homem chamado Judas entregasse Jesus para o sacrifício. Judas não tinha alternativa. Ele tinha de ser fiel aquilo que Deus determinara. Então não foi Judas que entregou Jesus. Parece assim, vendo-se do lado do tempo. Mas, vendo-se sub specie artemitatis, é Deus que está fazendo tudo. Judas foi um fiel instrumento de Deus para que a salvação se realizasse. Assim, nenhum outro apóstolo contribuiu tanto para a salvação da humanidade quanto Judas. Isso já era do conhecimento da Igreja, desde sempre. Não entendo, portanto o rebuliço. Proponho a canonizaçâo de Judas.

Texto extraído do livro: Ostra feliz não faz pérola / Rubem Alves – São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2008 – Página 193.

Vida após a morte

Texto extraído do livro: Ostra feliz não faz pérola / Rubem Alves – São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2008 – Página 197.

Achei apropriado informar os meus leitores sobre aquilo que sinto e penso acerca da vida após a morte. Meu coração está tranquilo e não há dúvidas que o perturbem porque são duas, apenas duas, as possibilidades à minha frente. Primeira possibilidade: há vida após a morte. Nesse caso, estou tranquilo porque, se há vida após a morte, é porque há um Poder Misterioso que a garante, poder esse a que alguns dão o nome de Deus, sem saber o que ele seja. No caso de haver esse Poder Misterioso, é minha tola convicção (todas as convicções são tolas) de que ele é só amor. Não estou sozinho nessa crença, tenho a meu favor o testemunho de profetas, místicos e poetas. Sendo só amor, é claro que a vida após a morte será uma realização do amor. A ideia de que o Poder Misterioso é um torturador que mantém, para prazer próprio, uma câmara de torturas sem fim chamada Inferno, é uma calúnia espalhada pêlos seus inimigos, na esperança de que os homens deixem de amá-lo e passem a odiá-lo. Mas, quando é que o amor se realiza? O amor se realiza quando recebemos de volta as coisas que amamos e perdemos. É por isso que sentimos saudade. A saudade é a nossa alma dizendo para onde ela quer voltar. Assim, em havendo uma vida após a morte, estou certo de que voltarei a subir em jabuticabeiras, a brincar em riachinhos, a balançar no balanço amarrado no galho da mangueira, a comer ora-pro-nóbis refogado com carne de porco, angu, feijão e pimenta, a fazer virar a locomotiva maria-fumaça no virador, a empinar
papagaios em tardes de céu azul, a catar flores de paineira para com elas fazer soldadinhos… Que mais posso desejar? Como disse a Maria Alice, deve haver tantos céus quantas pessoas há. Meu céu não é igual ao seu. Nem poderia ser. Nossas saudades são diferentes. Em torno de cada pessoa gira um universo que é só dela. Dizem os astrônomos que há muitos bilhões de anos (para mim não faz a menor diferença se são bilhões ou milhões, porque esses números são impensáveis) houve um estouro gigantesco, o Big Bang, a partir do qual foram projetados no espaço sem fim os astros celestes que hoje formam o universo que conhecemos. Nada impede que haja infinitos outros, além dos nossos telescópios. Pois eu acho que não foi só isso: todos nós fomos também projetados no espaço sem fim, cada um de nós é uma estrela em volta da qual se forma uma nebulosa espiralada… Essa é a primeira e deliciosa possibilidade.
Segunda possibilidade: não há vida após a morte. Nesse caso, a morte significa que vou voltar ao lugar onde estive por todo o tempo infinito passado, inclusive no Big Bang. Esse período de bilhões de anos não me foi doloroso, não me fez sofrer, nem demorou a passar. E poderei, então, imaginar que o evento maravilhoso do meu nascimento a partir desse caos indefinido poderá se repetir daqui a um bilhão de anos, mas não sofrerei nem ficarei impaciente, porque estarei mergulhado no sono profundo da não existência. Assim, por que ter medo? Medo eu não tenho. Tenho é tristeza porque este mundo é muito bom e quereria continuar a fazer minhas coisas por aqui. Pelo menos por agora é isso que sinto. Pode ser que eu venha a mudar de ideia. Fernando Pessoa escreveu um poema que vai assim: “Tenho dó das estrelas, luzindo há tanto tempo, há tanto tempo… Tenho dó delas. Não haverá um cansaço das coisas, de todas as coisas, um cansaço de existir, de ser, só de ser, o ser triste brilhar, ou sorrir… Não haverá, enfim, para as coisas que são, não a morte, mas sim uma outra espécie de fim, ou uma grande razão – qualquer coisas assim como um perdão?”.
Pode ser que eu venha a sentir esse cansaço e venha a desejar um fim.
Mas ainda não me sinto cansado, agora.

Texto extraído do livro: Ostra feliz não faz pérola / Rubem Alves – São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2008 – Página 197.

O papa reza pela paz

Texto extraído do livro: Ostra feliz não faz pérola / Rubem Alves – São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2008 – Página 192.

Todo mundo quer a paz. Mas, como muito bem observou santo Agostinho, cada um deseja a paz que lhe seja conveniente. A paz das galinhas é um mundo sem gambás. A paz dos gambás é um galinheiro cheio de galinhas. O presidente Bush quer a paz e, para que a sua paz seja alcancada, é preciso que o Irã seja destruído. O Irã deseja a paz e, para que a sua paz seja alcançada, é preciso que os Estados Unidos sejam destruídos.
O papa reza pela paz. Não sei por que é necessário orar pela paz. Jesus disse que, antes que rezemos, Deus já sabe tudo. Qual será o objetivo de rezar pela paz? Chamar Deus à razão? Ele não está prestando atenção? Convence-lo a fazer o milagre da paz? Será que Deus não quer a paz? Ao que tudo indica, ele não quer. Porque, se quisesse, a paz aconteceria… Ele atenderia às rezas do seu representante.

Texto extraído do livro: Ostra feliz não faz pérola / Rubem Alves – São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2008 – Página 192.

O problema da política

Texto extraído do livro: Ostra feliz não faz pérola / Rubem Alves – São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2008 – Página 172.

Se começou errado não tem conserto

O destino da democracia se decide no momento da sua fundação. Se os lobos são eleitos para estabelecer as regras do jogo, será inútil que as ovelhas que os elegeram berrem depois de serem trasnformadas em churrasco. Pois os lobos, que elas elegeram como seus representantes para fazer as leis, escreveram como lei: “É direito dos lobos comer ovelhas”. Não existe caso em que os lobos tenham, democraticamente, aberto mão dos direitos que eles mesmo estabeleceram. As ovelhas são as culpadas de sua desgraça. Foram elas que, pelo voto, deram poder aos lobos.

Texto extraído do livro: Ostra feliz não faz pérola / Rubem Alves – São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2008 – Página 172.

Em terra de cego, quem tem olho é doido

Texto extraído do livro: Ostra feliz não faz pérola / Rubem Alves – São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2008 – Página 162.

As roupas do rei

Hans Christian Andersen foi um dinamarquês que gostava de estórias. Vou recontar a sua estória do rei vaidoso que gostava de roupas bonitas com dois finais: o dele e o meu. “Havia um rei muito tolo que adorava roupas bonitas. Os tolos gostam de roupas bonitas. Ele enviava emissários por todo o país para comprar roupas diferentes. Chegou ao cúmulo de mandar tecer uma faixa real nova com fios de ouro. Dois espertalhões ouviram falar da vaidade do rei e resolveram aproveitar-se dela para se enriquecer. Dirigiram-se ao palácio e anunciaram-se: ‘Somos especialistas em tecidos mágicos’. O rei nunca ouvira falar de tecidos mágicos. Ficou curioso. Ordenou que os dois fossem trazidos à sua presença. ‘Falem-me sobre o tecido mágico’, ordenou o rei. Um dos espertalhôes pôs-se a falar: ‘Majestade, o tecido que tecemos é mágico porque somente as pessoas inteligentes podem vê-lo. Vestindo uma roupa feita com esse tecido Vossa Majestade saberá se aqueles que o cercam são inteligentes ou não’. O rei imediatamente contratou os dois espertalhões. Passados alguns dias, o rei mandou chamar o ministro da Educação e ordenou-lhe que fosse examinar o tecido. O ministro dirigiu-se ao aposento onde os tecelôes trabalhavam. ‘Veja, Excelência, a beleza do tecido’, disseram eles com a máos estendidas. O ministro da Educação não viu coisa alguma e entrou em pânico. ‘Meu Deus, eu não vejo o tecido, logo sou burro…’ Resolveu, então, fazer de conta que era inteligente. Voltou à presença do rei e relatou: ‘Majestade, o tecido é maravilhoso’. O rei ficou muito feliz. Passado dois dias, o rei convocou o ministro da Guerra e ordenou-lhe examinar o tecido. Aconteceu a mesma coisa. ‘Meu Deus’, ele pensou, não sou inteligente. O ministro da Educação viu e eu não estou vendo…’ Resolveu adotar a mesma tática do ministro da Educação. E o rei ficou muito feliz com o seu relatório. E assim aconteceu com todos os outros ministros. Até que o rei resolveu pessoalmente ver o tecido maravilhoso. Não vendo coisa alguma, ele pensou: ‘Os ministros da Educação, da Guerra, das Finanças, da Cultura, das Comunicações viram. Mas eu não vejo nada! Sou burro. Náo posso deixar que eles saibam da minha burrice…’. O rei se entregou então a elogios entusiasmados sobre o tecido que não havia. Marcou-se uma grande festa para que todos os cidadãos vissem o rei em suas novas roupas. No Dia da Pátria, a praça do palácio cheia de homens e mulheres, tocaram-se os clarins e ouviu-se uma voz pêlos alto-falantes: ‘Cidadãos do nosso país! Dentro de poucos instantes a sua inteligência será colocada à prova. O rei vai desfilar usando a roupa que só os inteligentes podem ver’. Canhões dispararam uma salva de seis tiros. Rufaram os tambores. Abriram-se os portões do palácio e o rei marchou vestido com a sua roupa nova. Foi aquele oh! de espanto. Todos ficaram maravilhados. Como era linda a roupa do rei! Todos eram inteligentes. No alto de uma árvore estava um menino que via com seus olhos ignorantes. Não viu roupa nenhuma. O que viu foi o rei pelado exibindo sua enorme barriga, suas nádegas murchas e as vergonhas dependuradas. Com uma gargalhada, deu um grito que a multidão inteira ouviu: O rei está pelado!’. Fez-se um silêncio profundo, seguido por uma gargalhada mais ruidosa que a salva de artilharia. E todos se puseram a gritar: O rei está nu, o rei está nu…’. O rei tratou de tapar as vergonhas com as mãos e voltou correndo para dentro do palácio.”

Agora vou contar a mesma estória com um fim diferente. Ela é em tudo igual à versão de Andersen, até o momento do grito do menino. “O rei está pelado! Fez-se um silêncio profundo, seguido pelo grito da multidão enfurecida. “Menino louco! Não vê a roupa nova do rei! Menino burro!” Com estas palavras agarraram o menino e o internaram num manicômio. Moral da estória: Em terra de cego, quem tem um olho não é rei. É doido.

Texto extraído do livro: Ostra feliz não faz pérola / Rubem Alves – São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2008 – Página 162.

Quanto o universo me paga para não estar no Facebook

Texto de A FORJA UNIVERSAL – Escrito por Paulo Brabo, em 28 de abril de 2013

Duas curtas advertências: [1] sou tão superficial quanto qualquer um; [2] claro que um dia vou capitular: claro que um dia vou fazer parte da rede social mais popular do planeta.

Isso não muda o fato de que o universo me paga, dia após dia, para não ceder ao Facebook. Falo, é claro, do universo offline do café com bolo de fubá, da travessia de ferryboat, da casa alugada na praia, do bolinho de carne seca comido no bar, de esperar que o amigo saia finalmente da sala de desembarque, da cortesia na fila do correio, das pessoas que imprimem livros e das que os compram, das ruas de Morretes, dos últimos pastores de ovelhas da Itália, da velha senhora que é tia de alguém e que mora sozinha entre morros arredondados no interior de Minas Gerais e faz a própria farinha de milho num monjolo movido a córrego.

Incrivelmente, esse universo me veste, me alimenta, faz água cair do céu e faz o vento varrer meus cabelos no alto da montanha como num comercial de shampoo. Ele me manda livros, cartões postais, chocolate e batata frita, e me massageia lascivamente as costas na cachoeira. Como um apaixonado que não se sabe moderar, o universo me manda gente que me oferece café, que me faz comida, que me chama de irmão, que me toca a mão, que me ouve chorar, que se maravilha com as mesmas coisas, que dorme comigo, que colhe comigo cogumelos, que me presenteia com CDs, que me serve chá de capim-cidreira, que me traz garrafas de bom vinho, que me dá flores.

Dia após dia, em todos os seus dialetos, o universo me repete uma mesma frase: pegue o que você precisar.

“Brabo,” o universo me diz, “pegue o que você precisar”.

Ele pede uma única coisa em troca, e o que ele pede é tremendamente exigente: que eu continue a desejar aquilo que considero desejável.

É claro que o mundo de abraços e de café e de pura conexão entre as pessoas que desejo não existe fora da minha cabeça, mas repito: o universo não cessa de me pagar para continuar sonhando com ele. E é com essa propina que ele vai me impedindo de desejar o Facebook.

O Facebook sabe que é com frequência difícil para mim estar onde estou, e ele quer me confortar com a impressão de que estou em outro lugar. O Facebook sabe que às vezes é difícil para mim estar com quem estou, e ele quer me confortar com a lembrança de que tenho conexões muito reais em outro lugar. O Facebook sabe que muitas vezes não tenho paciência ou coragem de mover-me de onde estou para onde gostaria de estar, e ele quer me confortar com a sensação de ter transposto a distância.

Meu desafio pessoal mas antigo foi sempre experimentar a realidade sem subterfúgios: estar onde estou. A solução, quando há, sempre foi mover-me para onde não estou.

O Facebook me convida incessantemente a fazer o contrário: a não estar onde estou e a não mover-me para onde não estou – e seria talvez mais fácil ceder ao convite se ele não forçasse a barra chamando essa doce imobilidade de conexão. Naturalmente, é precisamente essa modalidade de conexão aquela que quero, e talvez seja a única que experimento. Como tudo mundo, quero observar a beleza do universo sem comprometer-me com seus desafios; quero admirar gente de longe sem ter de pagar os riscos de uma rede viva e complexa de relações. Minha vida seria mais fácil se os cofres do coração não transbordassem daquilo que o universo me dá cotidianamente para continuar a não considerar essa condição (veja aqui o comercial) como desejável.

Texto de A FORJA UNIVERSAL – Escrito por Paulo Brabo, em 28 de abril de 2013