Texto extraído do livro: Ostra feliz não faz pérola / Rubem Alves – São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2008.
Desejos
Quero viver muitos anos mais. Mas com alegria. Quero ter forças para travar as batalhas que julgo importantes! A preservação da Amazônia! Viver com mais sabedoria! Entre a multidão dos meus desejos paira a educação, elejo como minha prioridade acabar com os vestibulares. Os vestibulares são, a meu ver, a coisa mais estúpida que estraga a educação.
Não me importam os vestibulares como processo seletivo para a entrada nas universidades. Importuna-me o que eles fazem com todo o processo escolar que os antecede. Em primeiro lugar, eles são inúteis. Os supostos saberes exigidos para os malditos exames estão condenados ao esquecimento. Eu não passaria nos vestibulares, nossos reitores não passariam nos vestibulares, os professores de cursinhos não passariam nos vestibulares. Os especialistas em português tombariam diante dos problemas de física e química. Os professores de física e química tombariam diante das questões de análise sintática. Memória ruim? Não. Memória inteligente. A memória inteligente sabe esquecer o que não faz sentido. E a desgraça é que as escolas, desde o seu início, vivem sob a sombra do grande bicho-papão. Quem determina os saberes a serem sabidos são os professores que preparam as questões para os exames. E, então, as questões fundamentais da educação, da formação humana dos alunos, são enviadas para o porão. O prazer da leitura? Quem pensará que leitura dá prazer quando ela é obrigatória? Não existe forma mais rápida de fazer um aluno detestar a leitura que fazer dela um dever de que se terá de prestar contas.
A apreciação da música, a educação dos sentidos, a curiosidade vagabunda… Tudo é deixado de fora. Tanto sofrimento para nada – porque tudo é esquecido. Além de inúteis são perniciosos, porque criam hábitos mentais tortas. Para cada pergunta há uma resposta carreta! Mas na vida não é assim. Nem na ciência. A ciência se faz com uma infinidade de erros. Sem os vestibulares, as escolas estariam livres para realmente educar.
Quero o fim dos vestibulares. Mas que processo os substituiria? Minha sugestão: um sorteio… Loucura? Parece, mas náo é.
Texto extraído do livro: Ostra feliz não faz pérola / Rubem Alves – São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2008.